quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Um pouco de iluminações em uma caixa de madeira

Poderia começar escrevendo algo sobre pássaros ou políticos estranhos. Poderia facilitar a vida das pessoas e começar uma autobiografia intitulada: eu mesmo.  Serviria caviar aos porcos e lavagem aos elegantes reis e rainhas britânicos. Suspenderia o retorno ao trabalho em cinco dias, distribuir falsas notas de cem contos para os fascistas ou democratas.
Pequenas rotas de comodismo. Mesma história, mesma hora. Banho, leite gelado, fruta, alguma fumaça que sai das ventosas entranhas humanas. Estranho seria se ficasse lá quieto. Talvez minha avó estivesse aqui ainda para me repreender e dizer o quanto era importante uma pessoa trabalhar e ser digno de seu próprio suor. Saberes antigos, abençoada seja minha avó onde ela estiver.
E no mesmo instante penso que a vida pode ser boa agora. Respeito. Tenho que zelar os ensinamentos que herdei da minha grande mentora. Meus passos, às vezes saem dispersos pelas ruas íngremes e esburacadas da minha cidade. Penso em como eu poderia contar tudo que ando apreendendo. Desviante, continuo desviando os olhares de pessoas estranhas. Meu mundo distante da dita sociedade correta, pessoas fedem o suor delas de cada dia e se escondem em produtos para esconder suas fraquezas, desodorante, perfume, pasta de dente, xampu, creme pós barba. “Penteie esse cabelo menino” diziam os mais velhos, “erga essa calça, isso é um perigo, você pode ir até preso” ela exclamava e eu saia bravo enquanto me espiava pela fresta da cortina na janela.
Meus amigos devem estar em algum bar nesse mundo que pouco conheço, bêbados, discutindo civilizações perdidas do inicio dos tempos. Japoneses, Maias, europeus do leste, vodka, prostituição e guerra. Despentearei meus cabelos castanhos, em voltas de motocicleta por entre montanhas geladas de algum país distante.
“Passe mais uma fatia de pão”, algum governador fedorento disse após acabar de lamber os últimos vestígios do molho ao sugo do Chef italiano. Escargots andando para lá e para cá encima da mesa de jantar de um diplomata tupiniquim, que enquanto comia, caçoava do francês com bigode que tentava abrir um coco verde com uma banana nanica. Imperfeições.
Enquanto meu avião não chega, encosto meu corpo em uma pilastra de mármore grego. Enquanto meu avião não chegar vou ter que ler diversas versões de um mesmo golpe comunista. Licitações, indicações, moções, tudo isso em uma sessão ordinária. Cinco horas ordinárias. Distração, acabo de congelar meus professores que não me ensinam muita coisa que já não saiba. Meus pés, sem querer, acertaram o botão esquerdo da máquina. Em um futuro distante talvez eles sirvam para alguma coisa. Façam-me sorrir ao menos uma única vez. Seus escargots acabaram de escalar as paredes do palácio. Traga-me mais dois litros de absinto, quero ver a fada verde, só assim poderei descansar meus pensamentos bardos em uma poça de embriaguês profunda.


Gustavo Ribeiro

terça-feira, 18 de outubro de 2011

A.R.T.



Obra feita com tinta acrilica sobre tela.

Nenhuma arte incomoda pouco. A lua me olha torta pela fresta da janela. Esquinas, vielas...
Dois tijolos feitos de barro. Uma aspirina para aliviar a ressaca. Todos os olhos agora se fecham, dentro de uma floresta encantada. Assoviando uma canção dos Beatles um mendigo me doou um sorriso, na esquina da Paulista com a Consolação.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Delirium tremens

Tomado pelo abraço do dragão, ele se levanta ainda sonolento e cambaleante. Seu rosto marcado com vergões de um lençol barato. Coloca as mãos no bolso e descobre umas moedas. O caminho até a taverna era curto, duas quadras. Seus passos leves contavam as notas de seu próximo conto. Delírio. Edgar entra na antiga taverna no centro de Baltimore, depois se acomoda frente ao balcão e pede um conhaque. Suas moedas deram para meia dose. Num trago ele acabou com a pequena quantia do conhaque barato que acabara de comprar.
Edgar Allan Poe
Aos becos e ruas estreitas da cidade portuaria,  Allan Poe, como era mais conhecido, estava atrasado para sua aula de latim. Colocou a mão no bolso esquerdo do seu paletó preto e surrado e encontrou um pouco do ópio que comprou na noite anterior. Seus contos nunca seriam notados, pensou o pobre garoto de Boston, Estados Unidos.
Edgar Allan Poe nasceu em Boston no dia 19 de janeiro de 1809, filho de atores fracassados, sendo o pai David Poe Jr., que o abandonou um ano depois. Sua mãe, Elizabeth Arnold Hopkins Poe, morreu após o nascimento de Rosalie, a irmã mais nova de Poe, quando o pequeno Edgar tinha apenas dois anos.  Depois do ocorrido, um rico casal adotou a criança, Francis Allan e o seu marido John Allan, um mercador de tabaco bem sucedido de Richmond .
Gravura representando o conto:
O gato preto
Com os Allan, o pequeno garoto teve a oportunidade de estudar na Inglaterra, freqüentou a  escola de Misses Duborg em  Londres, e a Manor School em Stoke Newington, Poe voltou para Richmond em 1820, entrou na Universidade da Virginia seis anos mais tarde. Seus estudos duraram até o ano de 1827, quando foi expulso por ser boêmio e subversivo.
Sua roupa preta estava manchada com cinzas de cigarro. Seus pensamentos transformavam quase tudo em extraordinário. Tragos. Rasgos. Um gato preto passa arrepiado, esfregando seu frágil corpo no sapato opaco do poeta. Dois corvos saem voando e emitindo seus devidos sons. Uma nuvem cinza sobrevoa em direção à cidade. Angustiado, Poe segue em passos apressados agora. Sua fome ronca em seu estomago judiado pelos dois dias de apostas no jogo, conhaque e opium. O rosto sujo e oleoso precisava urgentemente de um bom banho quente. Os pingos da chuva densa começam a cair em suas costas doloridas. Em alguns instantes não vai mais estar na chuva, sua casa aparece após a esquina de uma mansão abandonada. Poe parava todo dia em frente a antiga mansão, mas nesse dia com a chuva, a pressa não deixou que ele observasse na janela do sótão do antigo casarão. Alguma sombra apareceu junto com o brilho de um relâmpago. Poe precisava descansar.
A banheira já estava cheia de água quando Poe acendeu o seu cachimbo com ópio. Suas pupilas dilataram-se lentamente e seu cérebro começou a sentir o efeito da papoula. Os músculos relaxaram quando afundou sua cabeça na água morna. Os delírios voltaram atormentar sua consciência. Insetos asquerosos subiam pelo azulejo do banheiro. Mariposas grudentas pairavam em redor a sua cabeça cheia de ópio. Ao sair da água, sentiu o frio que cortava seus delírios. A toalha branca enxugou os cabelos pretos do escritor. Alguns insetos insistiam escalar suas pernas brancas e com espumas de sabão. Algo poderia estar acontecendo com a sua realidade. Virginia Eliza Clemm Poe chegou no pequeno quarto do casal e viu o marido se debatendo e falando coisas absurdas quando saio vestindo o paletó limpo e com um semblante desesperado.

Lápide do tumulo do escritor

Edgar A. Poe, foi encontrado com roupas que não eram as suas no dia três de outubro de 1849, aos 40 anos, jogado em uma das ruas de Baltimore, tendo alucinações provindas de delirium tremens, uma psicose causada pela abstinência ou suspensão do uso de drogas ou medicamentos freqüentemente associada ao alcoolismo, mas que também pode se apresentar com o uso prolongado ou abusivo de benzodiazepínicos ou barbitúricos. O escritor foi levado ao Washington College Hospital, mas morreu apenas quatro dias depois.
Nunca foram apuradas as causas precisas da morte de Poe, sendo bastante comum, apesar de incomprovada, a idéia de a causa do seu estado ter sido embriaguez. Por outro lado, muitas outras teorias têm sido propostas ao longo dos anos, de entre as quais: diabetes, sífilis, raiva, e doenças cerebrais raras.
 A velha mansão abandonada próxima da sua casa, continua existindo até os dias de hoje. Algumas pessoas dizem passar por lá e ouvir barulhos estranhos no calar da noite. Várias pessoas disseram já ter visto em dias de chuva sombras nas janelas após os clarões das rajadas de relâmpago. Outros disseram ver duas sombras. Contos de terror, de morte e de medo. Edgar continua assombrando os pensamentos dos leitores que por ventura descobrem sua obra. Um gênio que como muitos morreu pobre e louco. Desventuras. Loucuras. Situações mundanas.


Gustavo Ribeiro
Campinas, SP.

domingo, 16 de outubro de 2011

Antes e depois

Tudo passa devagar dentro de um ônibus. Muretas e placas luminosas. Não sinta medo. Saia correndo para uma dimensão estranha, finja, exploda nebulosas e se esconda detrás do muro. Num instante tudo que me foi ensinado ficou jogado em um grande saco de lixo plástico. Quando a muleta cai e fica só você e o chão. Perto, tão logo e tão já. Os horizontes começam a expandir-se. Meu instinto de caça tem que renascer dentro de meu fantástico ser terrestre. Minhas asas foram retiradas e moqueadas longe de minha visão. Tudo caminha lentamente agora.
As construções continuam a todo vapor em minha memória bagunçada. Seis menos dois dá quatro desde quando? Meus órgãos vitais se remexem dentro do meu corpo físico, quantas portas eu poderei abrir? Quantas outras perguntas terei que fazer aos céus? Meus olhos começam a arder. Toda a história que muda uma trajetória terrestre e meus desejos se tornam realidade. Tudo que meus olhos viram e tudo que meus ouvidos puderam ouvir não sei mais o que pode ser real. Mas acredito em algo.
Caminhe em sua escuridão, reflita e discuta com seus próprios medos. Cada planta verde tem um verde especifico. Inacreditável pensar assim. Saio despreparado sempre, sem escova de dentes ou cuecas suficientes, mas meu santo é forte, o que passa nas minhas veias senão um sangue puro? Sangue real. Minhas apostas podem aumentar em qualquer momento. Escrever em meus pensamentos é sempre mais fácil, as linhas se cruzam sem grande esforço. A mensagem chega antes que o mensageiro. Deito-me.
Uma bateria de gritos e sustenidos vozeirões balançam as palmeiras da antiga praça de qualquer lugar do Brasil. Pescoços apertados pelo peso da mochila que marcou com duas listras vermelhas minhas costas também. Relaxa, em qualquer momento você encontra o que veio procurar por aqui. As pedras foram espalhadas por vários cantos do planeta Terra. Meus livros estão todos empoeirados em algum canto da minha casa cheio de traças. Meu cérebro expande.