Poderia começar escrevendo algo sobre pássaros ou políticos estranhos. Poderia facilitar a vida das pessoas e começar uma autobiografia intitulada: eu mesmo. Serviria caviar aos porcos e lavagem aos elegantes reis e rainhas britânicos. Suspenderia o retorno ao trabalho em cinco dias, distribuir falsas notas de cem contos para os fascistas ou democratas.
Pequenas rotas de comodismo. Mesma história, mesma hora. Banho, leite gelado, fruta, alguma fumaça que sai das ventosas entranhas humanas. Estranho seria se ficasse lá quieto. Talvez minha avó estivesse aqui ainda para me repreender e dizer o quanto era importante uma pessoa trabalhar e ser digno de seu próprio suor. Saberes antigos, abençoada seja minha avó onde ela estiver.
E no mesmo instante penso que a vida pode ser boa agora. Respeito. Tenho que zelar os ensinamentos que herdei da minha grande mentora. Meus passos, às vezes saem dispersos pelas ruas íngremes e esburacadas da minha cidade. Penso em como eu poderia contar tudo que ando apreendendo. Desviante, continuo desviando os olhares de pessoas estranhas. Meu mundo distante da dita sociedade correta, pessoas fedem o suor delas de cada dia e se escondem em produtos para esconder suas fraquezas, desodorante, perfume, pasta de dente, xampu, creme pós barba. “Penteie esse cabelo menino” diziam os mais velhos, “erga essa calça, isso é um perigo, você pode ir até preso” ela exclamava e eu saia bravo enquanto me espiava pela fresta da cortina na janela.
Meus amigos devem estar em algum bar nesse mundo que pouco conheço, bêbados, discutindo civilizações perdidas do inicio dos tempos. Japoneses, Maias, europeus do leste, vodka, prostituição e guerra. Despentearei meus cabelos castanhos, em voltas de motocicleta por entre montanhas geladas de algum país distante.
“Passe mais uma fatia de pão”, algum governador fedorento disse após acabar de lamber os últimos vestígios do molho ao sugo do Chef italiano. Escargots andando para lá e para cá encima da mesa de jantar de um diplomata tupiniquim, que enquanto comia, caçoava do francês com bigode que tentava abrir um coco verde com uma banana nanica. Imperfeições.
Enquanto meu avião não chega, encosto meu corpo em uma pilastra de mármore grego. Enquanto meu avião não chegar vou ter que ler diversas versões de um mesmo golpe comunista. Licitações, indicações, moções, tudo isso em uma sessão ordinária. Cinco horas ordinárias. Distração, acabo de congelar meus professores que não me ensinam muita coisa que já não saiba. Meus pés, sem querer, acertaram o botão esquerdo da máquina. Em um futuro distante talvez eles sirvam para alguma coisa. Façam-me sorrir ao menos uma única vez. Seus escargots acabaram de escalar as paredes do palácio. Traga-me mais dois litros de absinto, quero ver a fada verde, só assim poderei descansar meus pensamentos bardos em uma poça de embriaguês profunda.
Gustavo Ribeiro
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